Aproximadamente cinco horas líquidas de leitura. Cinco horas. Creio que nunca havia lido tão rápido, mas foi diferente. Não me senti, nem por um segundo lendo, era como se em um dos caminhos da vida eu conhecesse alguém. E esse novo conhecido sente como eu, vive como eu e essas cinco horas juntos foi apenas um, ótimo, papo entre duas pessoas parecidas, que mal precisavam falar, pois as idéias iam se completando.
Tantas e tantas vezes eu bradei através dos versos desse senhor, como se cada estrofe fosse minha, mas de forma recorrente o amaldiçoava. Ele havia mudado o final, só para deixar a poesia um pouco mais bonita, ele havia sucumbido o resultado das coisa, modificado o resultado, que é o que realmente importa. Era desumano. Mas depois durante a conversa eu percebi que não.
Não foi ele que mudou a história para ter uma música, mas, na realidade, eu que ainda não cheguei ao final da canção. É como se ele estivesse, há mais de dez anos, berrando conselhos em meus ouvidos, tentando me mostrar como tudo isso vai acabar e eu, em um sono profundo produzido pelo coma sentimental, não quisesse ouvir. É como se eu não tivesse lido o livro da vida que estava aberto em minha frente, como se eu preferisse seguir o jogo sem olhar as cartas, ou estivesse procurando um tesouro sem pistas ou mapas.
"Cada um tem o seu limite, um ponto em que a ponderação e a sensatez de repente somem dos nossos julgamentos e, por um minuto que seja, nos transformamos em seres capazes de tudo."
Cinco horas me foram suficientes para aumentar a vontade de sair por aqui colocando todos os pontos finais, vírgulas, interrogações, exclamações e todos os outros pontos que a língua nos oferece. Ainda no êxtase do livro recém adquirido, com apenas de Cada Poça Dessa Rua Tem Um Pouco de Minhas Lágrimas lido, enviei uma mensagem falando de como aquilo já havia me afetado emocionalmente, do grito calado que estava querendo sair e da lágrima que eu já estava segurando.
O emocional talvez nunca consiga digerir, o grito está saindo em tons mais baixos, mas as lágrimas saíram da forma que sempre saem. Lágrimas ditas e explicadas no capítulo Duas Lágrimas, uma desenhando suavemente minhas bochechas e a outra que “é o choro que, de tão denso, não sai pelos olhos”.
"A aparente alienação na verdade é insegurança travestida de autossuficiência."
Eu não sei lidar é a auto-biografia de Lucas Silveira, vocalista, compositor, guitarrista, idealizador, defensor e sonhador da banda Fresno. Através de suas canções, o cearense-gaúcho vai retratando a sua vida e as situações que levaram até a obra, como ele mesmo define: “em seu conjunto, este livro é uma espécie de farol, só que ao invés de marcar o ponto de chegada, é um farol concebido para iluminar o que ficou para trás. É por isso que ele revela não apenas ‘a história’ escondida nos versos de cada canção, mas também o que liga cada uma delas e o que faz deste conjunto uma obra inteira, uma narrativa musicada de memórias fragmentadas.”
"Eu acredito na energia do intangível impregnada nelas e, levando essas coisas de um lugar para outro, eu confundo, mesmo que muito suavemente, as forças que regem o universo."
As músicas formam 16 capítulos, e estão organizadas em:
- Cada poça dessa rua tem um pouco de minhas lágrimas;
- O resto é nada mais (O sonho do Visconde);
- Stonehenge;
- Sutjeska / Farol;
- Eu sou a maré viva;
- Manifesto;
- Infância;
- Vida (Biografia em ré menor);
- A gente morre sozinho;
- Não leve a mal;
- Duas lágrimas;
- Sono profundo;
- Soneto para Petr Cech;
- Milonga;
- Verdade que tanto guardei;
- A resposta.
Eu não sei lidar é completude, é vida, é sentimento, é ter certeza de que me identificava de uma forma correta com os versos, de que ele realmente sentiu o que sinto, de que ele realmente tem um grito, de que ele realmente é como eu ou você.
Eu não sei lidar certamente está no meu TOP 3 de livros, mas ainda não consegui pensar nos outros dois, então ele é o primeiro. Eu não sei lidar é tudo aquilo que eu ou você gostaríamos de falar, mas faltam palavras. Eu não sei lidar foi o primeiro livro que senti vontade de riscar e não me senti destruindo. Eu não sei lidar é a prova de que todos nós somos humanos.
Talvez um dia você pegue o meu livro e não entenda o plus de grafite e marca texto que eu inseri, mas o único motivo desses rabiscos é porque EU TAMBÉM NÃO SEI LIDAR.
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