Levar na esportiva, até quando?

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Acredito que não sou feminista, ou se sou não sei. Mas a questão é que sinto preguiça quando vejo textão de mimimi de algumas mulheres pedindo igualdade. Eu dou gargalhadas com piadas consideradas machistas. Eu acho que algumas mulheres deveriam sim se dar mais ao respeito. 

Talvez meu maior problema em relação ao machismo é ter a memória fraca, esquecer com facilidade e perdoar. Eu não deveria achar normal a forma com que os caras parecem estar mandando a encarada do UFC, no meio da balada, quando tentam se aproximar. Ou poderia me revoltar quando alguém mexe comigo na rua, mas na verdade levei tudo na esportiva e segui em frente. Mas será que é assim?

Sei que eu, como redatora disso aqui e futura jornalista, deveria mostrar os dois lados e soluções, mas dessa vez não. Compartilhar algo que me fez pensar é uma forma de manifestar, também. Por isso hoje, deixarei um texto – enorme – que li esta semana e está me fazendo questionar até agora uma coisa: qual o limite das coisas? 

Feministas, machistas, deboistas, gays, trans, lésbicas, perdidos, cristãos, muçulmanos, todos deveriam ler isso. Mais do que um desabafo, isso chega a ser uma parábola, que poderá ser aplicada não em opressões contra mulheres, mas em toda a nossa vida. 

Aproveitem a leitura (:
Na primeira série, um menino chamado John – um notório encrenqueiro -perseguia sistematicamente cada menina na nossa classe durante o recreio tenando beijá-las na boca. A maioria cedeu eventualmente. Era mais fácil ceder do que continuar correndo. Quando chegou a minha vez, eu me virei e olhei para ele, peguei os óculos do seu rosto de fuinha, e pisei em cima deles no asfalto duro. Ele correu para a sala do diretor e chorou.
Na quinta série, um garoto me pediu para ser a namorada por e-mail. Foi o primeiro e-mail que já recebi. Na verdade, ele me disse que queria enviar-me um e-mail, então eu fui para casa e fiz uma conta na AOL. Nós fomos para uma festa e ele me deu um bicho de pelúcia Garfield, e então ele me deu um cd do 3 Doors Down. Poucos dias depois, ele terminou comigo, e pediu Garfield e o CD de volta. Eu disse não.
Na sexta série, uma menina do meu ano fez um boquete em um aluno da oitava série na parte de trás do ônibus escolar durante uma brincadeira de Verdade ou Consequência.
No verão depois da sexta série, eu beijei um menino pela primeira vez durante um acampamento. Ele era o meu amor de verão. Durante os anúncios no refeitório, no fim do acampamento, onde as crianças geralmente anunciavam pijamas e walkmen perdidos, uma menina mais velha se aproximou do microfone, jogou o cabelo para trás dos ombros, e orgulhosamente declarou: “Eu perdi algo muito precioso na noite passada. Minha virgindade. Se alguém encontra-la, por favor me avise.” O salão de jantar explodiu em risos e aplausos. Ela foi impedida de voltar para o acampamento novamente, e não foi autorizada a se despedir de ninguém.
No verão após o primeiro ano do colegial, fui para outro acampamento com meus amigos. Uma delas, chamava Megan, e era amiga minha desde o jardim de infância. Uma noite, quando eu estava tomando banho, ela abriu a cortina do chuveiro e tirou uma foto minha em sua câmera descartável. Eu gritei. Ela riu. Nós duas rimos quando eu saí do chuveiro, poucos minutos depois. Depois que o acampamento acabou, o pai dela levou a câmera para a loja de conveniência para revelar o filme. Quando ele deu as fotografias para ela, disse: “Sua amigao [Anônima] cresceu.”
Segundo ano do colegial, uma das minhas melhores amigas, Hilary, fez uma festa no porão da sua casa, enquanto sua mãe estava fora. Convidamos alguns dos caras da nossa série e o irmão mais velho de alguém comprou pra gente uma garrafa de vodka. Um dos meninos que vieram sentava ao meu lado na aula de espanhol. Seu nome era Thomas. Lembro-me de jogar um jogo simples, onde passavamos a garrafa de vodka em um círculo e bebíamos. Eu lembro de estar felizinha e, de repente, estar muito bêbada. Thomas e eu começamos a cantar números em espanhol, e ele se inclinou e me beijou. Nós nos beijamos no meio da festa, com todos os nossos amigos gritando. Em seguida, fomos para o quarto de Hilary.
O quarto da Hilary era no porão, com uma grande janela ao lado de sua cama. Quando alguém saía para fumar um cigarro, eles percebiam que o lado de fora era um assento na primeira fila para o que estava acontecendo no quarto. Estava escuro lá fora, e a luz no no quarto estava acesa. Eles chamaram todos para fora para observar. Não me lembro de me despir, mas aparentemente estávamos ambos completamente nus na cama de Hilary. Um amigo meu me disse mais tarde que ela tentou abrir a porta e parar o que estava acontecendo, mas Thomas devia ter trancado. Eles disseram que bateram na porta. Eu não me lembro de ouvi-los batendo. Eu não lembro de ter visto os rostos de todos fora da janela. Lembro-me de Thomas segurando minha cabeça para baixo e empurrando seu pênis na minha boca. Lembro-me de tentar resistir, puxando para trás, mas ele segurou as mãos firmemente sobre a minha cabeça, empurrando o meu rosto para cima e para baixo. Isso é tudo que eu lembro.
No dia seguinte, meus amigos e eu saímos para jantar em um dos nossos restaurantes locais favoritos. Eu não podia comer nada, e não era porque eu estava de ressaca. Toda vez que eu tentava colocar comida na minha boca, eu sentia como se estivesse sufocando. Sempre que um flash da noite anterior aparecia na minha mente, eu sentia vontade de vomitar. Meus amigos sentaram-se comigo em silêncio. Em seguida, eles me disseram que uma garota chamada Lindsey, que namorou Thomas no primeiro colegial, tinha ficado do lado fora e assistiu tudo até o fim. Mesmo depois de todo mundo ter parado de assistir. Meus amigos disseram que não viram.
Na segunda-feira, Thomas e eu nos sentamos um ao lado do outro na aula de espanhol. Nós não falamos. Nós não fizemos contato visual. Eu fui para o banheiro das meninas e vomitei. Ouvi dizer que Lindsey e Thomas vivem juntos agora, dez anos depois.
No segundo ano do colegial, tive um professor de espanhol chamado Señor Gonzales. Señor Gonzales fazia todas as meninas sentarem na primeira fileira. Señor Gonzales chamava qualquer garota que estava usando uma saia para escrever no quadro-negro. Señor Gonzales perguntou a uma amiga minha, que tinha quebrado o dedo jogando bola depois de escola, se ela quebrou o dedo porque “ela gostava bem forte”.
No último ano do ensino médio, eu tive o meu primeiro namorado de verdade. Seu nome era Colin. Ele estava no time de lacrosse com Thomas. Ele me disse que no segundo ano, Thomas disse para todos na equipe o que tinha acontecido naquela noite na casa da Hilary. Todos aplaudiram. Colin disse que, mesmo naquela época, ele tinha uma queda por mim. E naquela época queria dar um soco no Thomas.
Colin e eu perdemos nossa virrgindade um com o outro. Colin disse que se eu engravidasse, ele me faria ter o bebê. Ele não acreditava em aborto. Colin disse que se eu engravidasse, ele me faria fazer uma cesariana. Colin disse que, se eu não fizesse uma cesariana, minha vagina ficaria muito larga para que ele continuasse a gostar de transar comigo. Colin disse que ele não iria deixar nosso filho amamentar. Ele disse que sua mãe lhe deu a fórmula, e que ele cresceu muito bem. Eu não engravidei.
Primeiro ano de faculdade, eu morei na Dinamarca por um semestre e estudei na Universidade de Copenhague. Copenhague é uma das cidades mais seguras do mundo. As armas são ilegais lá. O spray de pimenta é ilegal lá. Uma noite, meus amigos e eu fomos a um show em um clube lotado em uma parte da cidade que eu não conhecia muito bem. Eu trouxe uma pequena bolsa com dinheiro, a minha chave do apartamento, e meu celular. Por alguma razão que fazia sentido na hora, coloquei minha bolsa dentro da bolsa da minha amiga. Talvez eu não tivesse vontade de ficar segurando. Nós duas estávamos bebendo. Minha amiga deixou o show para ir para casa com o namorado. Um por um, todos que eu conhecia e estavam lá foram indo embora, até que de repente eu estava sozinha e eu percebi que eu não tinha a minha bolsa, ou qualquer dinheiro para um táxi.
Eu comecei a andar na direção que me parecia ser a certa. Eu andei por um longo tempo. Eu não tinha idéia de onde eu estava, e não reconhecia a área. Era quase 04:00. Eu estava em uma rua residencial quando um táxi parou ao meu lado. Perguntei ao motorista se ele poderia me levar a um cruzamento da rua do meu apartamento.
Eu não tenho dinheiro, eu disse.
Eu realmente preciso de sua ajuda, eu disse.
Vu fazer de graça, disse ele.
Sente-se na frente, disse ele.
Sentei-me na frente. Nós dirigimos em silêncio por algum tempo, até que ele parou ao lado de uma rua escura.
Eu não quero mais fazer de graça, disse ele.
Ele trancou as portas do carro e estendeu a mão sobre o console central e enfiou a mão a minha saia. Ele agarrou minha vagina. Com força. Eu empurrei a mão dele e abri a porta. Desci a rua e percebi que ele tinha me levado a um quarteirão de distância de onde eu queria. Eu caminhei para o meu apartamento e atirei pedras na janela da minha amiga até ela me deixar entrar. Ela gritou comigo por acordá-la. Eu escapei. Nada aconteceu. Eu estava bem.
No verão depois que me formei da faculdade, eu ajudei Hilary a encontrar um estágio. Ela estava se formando em Artes Plásticas e queria algo para seu currículo, além de garçonete. Encontramos um post no Craigslist para ser um assistente de estúdio para um pintor no Bronx. Estava listado como estágio não remunerado. O pedágio na ponte George Washington era doze dólares, além do combustível, mas ela queria o estágio de qualquer maneira. Ela queria a experiência.
O artista era um pintor canadense de 38 anos, e chamado Bradley. Hilary tinha 22. Tinha uma outra estagiária lá chamada Stella. Bradley sempre fazia Hilary ficar até mais tarde e dizia para Hilary que ela era linda. Mais bonita do que sua esposa, que ele só casou pela cidadania. Ele disse para Hilary que tinham um casamento sem amor. Ele disse para Hilary que queria ter seus belos filhos. Eles começaram um caso. Ele disse para Hilary que sua esposa sabia e não se importava. Ele disse para Hilary ele ia deixar sua esposa em breve.
Todos os dias Hilary dirigia para o Bronx, limpava os pincéis de Bradley, e tinha relações sexuais no chão do estúdio. Todos os dias ela ia para casa sem dinheiro, e todos os dias ela pagava o pedágio na ponte George Washington. Ela precisava do estágio para seu currículo, ela disse. Era tarde demais para encontrar um novo emprego, ela disse.
Eu poderia continuar. Eu poderia dizer muito mais. Sobre os assobios na calçada, as crianças que se sentavam na parte inferior das escadas na escola para olhar para cima e ver por debaixo das nossas saias, minha amiga que era uma prostituta na Carolina do Sul, os homens que me encurralaram em estacionamentos e bares me chamando uma provocadora, as apalpadas indesejadas no metrô, das muitas vezes que meu pai me chamou de gorda, o tempo que eu viajei para as Filipinas e descobri que vários os homens ocidentais pagam pré-adolescentes locais para passar a semana em seu hotel, as mensagens no OkCupid. Sobre como eu não tinha certeza se eu fui estuprada porque eu estava bêbada e beijei Thomas de volta. Como ele estuprou minha boca e não a minha vagina, de modo que isso não deve ser estupro. Como foi fácil para mim para escapar na rua escura, em Copenhague, e como isso fez a situação não ter a devida importância uma vez que “poderia ter sido pior.”
Os homens não têm idéia do que é preciso para ser uma mulher. Para sorrir e aguentar e perseverar. O constante estado de guerra, trilhar essa pista de obstáculos de testosterona e misoginia implacável, onde eles pensam que somos propriedades. Mas nós não somos. Somos pessoas, exatamente como eles. É igual, na verdade, ou pelo menos essa é a essência do que o feminismo ainda está tentando alcançar. O trabalho ainda não acabou. Temos feito grandes progressos. Há CEOs do sexo feminino, embora não muitos. Há mulheres que escrevem para o New York Times e vencedoras prêmios Pulitzer, embora não muitas. Há políticos do sexo feminino, embora não muitos. Mas esses avanços estão apenas no papel. O trabalho não estará terminado até que a igualdade permeie o ar que respiramos, as ruas andamos e as casas em que vivemos.
Volto no tempo e penso como foi fácil para mim, na primeira série sentir-me destemida e forte na minha convicção de pisar nos óculos do John. Eu me senti bem em reagir como eu fiz, porque o comportamento de João era errado. Mas o seu foi um aprendizado elementar, sobre as imensas fronteiras que seu gênero o proporcionaria. Para mim, nunca mais ia ser fácil daquele jeito.
– Anônima, 25 anos



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